A vocação da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) para a promoção de estudos relevantes sobre a sociedade portuguesa existe desde a sua origem. Mas hoje a Fundação dá um passo importante ao erguer a sua voz e lançar pela primeira vez um policy paper que, como a natureza destes documentos determina, contém recomendações, num claro contributo da Fundação para a resolução de um problema sério em Portugal – o do acesso à habitação.
A análise da acessibilidade à habitação realizada pelos autores permitiu comprovar o que já suspeitaríamos: os preços da habitação em Portugal estão acima do que é possível explicar por fatores macroeconómicos, e a sobrevalorização do preço das casas acontece em particular em Lisboa e no Porto.
Tal constatação torna evidente que este problema está a contribuir para o acentuar das desigualdades em Portugal. E o abandono do país de jovens qualificados em início de vida tem também este problema como uma causa.
Comparando com o que acontecia em 2017, o estudo mostra que as famílias hoje precisam de gastar uma maior percentagem do seu rendimento para comprar ou arrendar uma casa. E que houve uma diminuição nos pedidos de crédito por parte dos agregados familiares mais jovens e um aumento por parte dos agregados mais velhos.
A análise ao mercado habitacional é segmentada numa análise à procura e à oferta. Em termos de procura, observou-se que a reestruturação familiar (ex. divórcios) contribuiu para o aumento do número de agregados familiares e a diminuição da sua dimensão. Os estrangeiros (sobretudo europeus) aumentaram o seu investimento em imóveis nacionais, mas o peso dos vistos gold é muito diminuto. O uso do parque habitacional para a atividade turística, nomeadamente os alojamentos locais, tiveram um impacto significativo no preço da habitação, quer em arrendamento, quer em aquisições, em especial nas zonas de maior afluência turística.
Em termos de oferta, o foco na reabilitação urbana e os efeitos ainda prevalecentes no setor da construção, da crise financeira internacional 2008-9 e da crise da dívida soberana em 2010-12, contribuíram para a redução na construção de casas novas. A oferta é inelástica para o que contribuem vários fatores de ordem fiscal e regulatória.
"o foco na reabilitação urbana e os efeitos ainda prevalecentes no setor da construção, da crise financeira internacional 2008-9 e da crise da dívida soberana em 2010-12, contribuíram para a redução na construção de casas novas"
Segundo os autores do estudo, “não existem soluções imediatas para o problema do acesso à habitação, que previsivelmente continuará a agravar-se nos próximos anos.” Apesar da dimensão do desafio, num claro convite à ação, o estudo propõe políticas de curto, médio e longo prazo, e uma abordagem integrada ao problema “a nível macro, por meio de políticas governamentais e municipais coerentes, e a nível micro, através de projetos individuais”.
Assim, no curto prazo propõem um foco na procura, através de políticas que apoiem as famílias em situações mais débeis. No médio prazo, sublinham que o foco deve estar num conjunto de políticas que promovam a expansão da oferta e a sua elasticidade, a provisão de sistemas de transportes integrados e sustentáveis, e a menor volatilidade de preços e rendas. Deixam ainda uma palavra às restrições da procura, que justificam: implementar medidas absolutas, para limitar o alojamento local e os estrangeiros não são nem eficazes nem desejáveis.
Recomendamos a leitura integral do estudo a todos os que estão em posição de contribuir para as soluções.
Atualização (07092023): Com base no estudo, e num reforço das recomendações, o artigo de opinião do Presidente da FFMS no Diário de Notícias.