Conta-se que Kofi Annan, então Secretário-Geral das Nações Unidas, terá sido interpelado por um diplomata nos seguintes termos: “O Senhor anda há anos a tentar reformar a ONU e pouco fez. Deus fez o mundo em seis dias!” Ao que Kofi Annan terá respondido: “É verdade. Só que Deus, além de ser Quem era, trabalhava sozinho”.
Também nós, nas organizações sem fins lucrativos (OSFL), não trabalhamos sozinhos: trabalhamos (liderando ou fazendo parte de equipas) com pessoas e para pessoas.
Procurando, no trilho da memória, as minhas experiências mais antigas na gestão de OSFL vou até aos longínquos tempos de estudante, em Coimbra. Como recordei na autobiografia que escrevi para o Jornal de Letras, em 2018, O pretérito mais-que-imperfeito:
“Reconheço hoje que fundar e dirigir o Círculo de Artes Plásticas e presidir ao CITAC foram as primeiras experiências como gestor, o que – com o breve intervalo da política – viria a ser a minha profissão. Quantas vezes, nos bancos, nas empresas, na Europália, no lançamento da Culturgest, na Fundação Calouste Gulbenkian e noutros desafios em que a vida tem sido pródiga comigo, tenho recordado as lições não teorizadas que aos 20 anos, alegre mas empenhadamente, comecei a aprender: a congregação de esforços e vontades na liderança do trabalho em equipa; a obrigação de resultado quase sempre com recursos escassos; e o peso do exercício solitário da decisão.”
Tudo isto vem a propósito da decisiva importância que a gestão dos recursos humanos (RH’s) tem para qualquer responsável numa OSFL sobretudo quando, como é comum, os recursos são escassos perante a dimensão dos objectivos que se pretende atingir e a urgência das respostas obriga a avançar sem conceder muito tempo às tarefas organizativas e preparatórias.
Os temas habituais quando se fala de RH’s – recrutamento, treino, formação, enquadramento, motivação, avaliação, desenvolvimento de carreira, remuneração, recompensa, etc – encontram na gestão das OSFL uma especificidade muito especial.
Primeiro porque, as mais das vezes, não é fácil competir com o mercado onde o serviço público e as empresas concorrem também.
Segundo porque, no campo da motivação, é necessária empatia com os beneficiários do nosso trabalho e convicção na acção porque as OSFL são essencialmente entidades mission-driven.
Em terceiro lugar, porque as OSFL incorporam também trabalho voluntário, quando não são exclusivamente integradas por voluntários, o que implica uma abordagem própria e adequada. Importa sublinhar a dificuldade, para quem gere, de combinar eficazmente boas vontades, entrega e entusiasmo com a exigência de profissionalismo, rigor e resultados.
Outras especificidades se poderiam aduzir, mas o que ficou brevemente enunciado aponta para a necessidade de preparar e adaptar cuidadosamente as sempre oportunas acções de capacity building às concretas realidades de cada organização onde dificilmente os formatos pronto-a-vestir terão qualquer utilidade. Neste contexto, a formação das lideranças é essencial e, porventura, por onde se começar.