Ao contrário do que acontece com as associações, no que concerne ao governance fundacional, o legislador foi além do Código Civil, que neste tema deve ser analisado em conjunto com a Lei-Quadro das Fundações (doravante LQF), Lei 24/12, de 9 de julho.
O governance fundacional não é um tópico simples nem tão pouco claro. Desde já porque a LQF veio introduzir e regular três tipos de fundações às quais se aplicam regras de estruturação diferentes: i) fundações privadas; ii) fundações públicas de direito público; e, iii) fundações públicas de direito privado. (Art.4º, nº1 da LQF)
Importa dar nota de que às fundações públicas de direito público e às fundações públicas de direito privado é aplicável a LQF, nomeadamente, os seus artigos 48º a 61º, em conjunto com a demais legislação aplicável às pessoas coletivas públicas, nomeadamente a Lei-Quadro dos Institutos Públicos (Art. 52º, nº1 da LQF). Tendo em conta as especificidades próprias do direito público e o facto de as fundações de direito privado terem uma maior preponderância no setor fundacional português, a seguinte análise focar-se-á nas regras de governance aplicáveis às mesmas.
Esclarecemos, em primeiro lugar, que a LQF determina, para as fundações de direito privado, a obrigatoriedade de dispor de três órgãos sociais: i) um órgão de administração, a quem compete, entre outras funções, a gestão do património da fundação; ii) um órgão diretivo ou executivo com competências de gestão corrente; e, iii) um órgão de fiscalização. (Art.26º, nº1 da LQF) Nesta matéria, para assegurar o funcionamento transparente, regular e legal da fundação, cumpre alertar, em conformidade com a lei, para a importância de evitar a sobreposição de competências entre os órgãos sociais. (Art.27º, nº1 da LQF)
A LQF prevê também a possibilidade de as fundações disporem de um ou mais órgãos sociais facultativos, de composição e competências variáveis, que detêm funções consultivas e/ou tem a missão de assegurar o cumprimento dos estatutos e/ou zelar e proteger a vontade do fundador (Art.26º, nº 2 da LQF). Tipicamente, no ecossistema fundacional português, esta figura toma a forma de Conselhos de Curadores ou Conselhos Consultivos. Estes órgãos são uma expressão de um funcionamento interno democrático e transparente e, nessa medida, bastante recomendáveis.
Relativamente à sua composição, a LQF determina a forma colegial obrigatória do órgão de administração, que deverá integrar um número ímpar de membros. O órgão executivo e o de fiscalização, podem ser titulados por uma só pessoa, singular ou coletiva, ou em alternativa, assumir forma colegial. (Art. 27º da LQF) Já no que concerne aos órgãos sociais facultativos, não existem quaisquer limitações legais quanto à sua composição.
Se por um lado já esclarecemos a importância de evitar a sobreposição entre as competências dos órgãos sociais, importa abordar a questão – que tantas dores de cabeça tem o potencial de causar – podem os titulares dos órgãos sociais de uma fundação assumir “vários chapéus” dentro da mesma, isto é, titularem posições em diferentes órgãos? Ora, embora a lei nada obste quanto a este tema (com exceção das fundações com estatuto de IPSS, que estão sujeitas a uma proibição legal neste âmbito), não é recomendável que o façam, visto que tal, a verificar-se, poderá originar entropias desnecessárias ao bom funcionamento da fundação. É de extrema importância manter a transparência e assegurar que cada órgão tem os seus interesses acautelados pelos respetivos titulares com o objetivo comum de contribuir para o bom funcionamento e longevidade da fundação.
Também as regras de designação dos titulares dos membros dos órgãos sociais, merecem uma nota individual pela particular relevância que assumem no modelo de governance. O facto de a LQF conceder uma ampla discricionariedade nesta matéria, aliada ao facto de as fundações não integrarem membros que reúnem em Assembleia Geral para eleger os titulares dos órgãos sociais (ao contrário das associações, por exemplo) e de estarem dependentes da administração para alterarem os seus estatutos (Art.31º da LQF), leva a que as fundações fiquem especialmente permeáveis a problemas de governance relacionados com as regras estatutárias sobre nomeação de membros dos órgãos sociais. Assim, para acautelar situações de entropia a este nível, muitas vezes fruto do caráter familiar e da preponderância da vontade do instituidor na maioria das fundações, é prudente a inclusão estatutária de uma “cláusula de escape” que determine a competência subsidiária de um órgão, por exemplo, do Conselho de Curadores, para a nomeação do Conselho de Administração, assegurando assim a longevidade da fundação.
Da mesma forma, importa sublinhar que, não obstante a proibição de existirem mandatos vitalícios, salvo em cargos expressamente criados pelo fundador com essa natureza no ato de instituição – a lei é omissa no que toca à renovação dos mandatos dos órgãos sociais, pelo que se afigura recomendável a determinação estatutária de uma limitação ao número de mandatos, e ao estabelecimento de limites à sua renovação.
Por fim, cumpre mencionar quanto à regulação do funcionamento dos órgãos sociais que a LQF não proíbe a remuneração de titulares de cargos nas fundações privadas, pelo que a forma de remunerar e os valores a praticar devem ser baseados em padrões éticos de governo.