As moedas locais como exemplo de inovação social

As moedas locais como exemplo de inovação social

As primeiras experiências com moedas locais situam-se em 1930 e o seu surgimento está associado aos efeitos da Grande Depressão, período histórico-económico durante o qual, nos EUA, diversas cidades remuneraram os trabalhadores municipais com uma moeda local.

Mas, o que são moedas locais? São moedas válidas somente numa determinada região, que dinamizam as trocas comerciais e privilegiam os circuitos de troca curtos.

Algumas das suas características são as seguintes:

  • Têm, na sua génese, a promoção de atividades que não valorizam o dinheiro, nem a sua acumulação, mas sim a sua circulação, contrariando, assim, a lógica capitalista. É disto exemplo a moeda local Lixo, que circula na freguesia de Campolide, em Lisboa, e que incentiva a que os comerciantes que recebem a moeda local a usem nas suas próprias compras, mantendo a moeda em circulação na freguesia
  • Fomentam a cooperação e as relações sociais, coexistindo num sistema económico no qual se mantém a moeda convencional, como acontece com a moeda local Palmas, no Brasil.
  • Podem desempenhar um papel relevante no combate ao enfraquecimento das economias locais e dos laços comunitários (ver o caso da recentemente extinta Bristol Pound, que funcionou em Inglaterra durante vários anos).
  • Podem ser uma potencial solução para resolver problemas de acesso a bens essenciais que permitem suprir necessidades básicas, como é o caso da moeda local Santo António, criada pela Junta de Freguesia de Santo António, em Lisboa, e que se usa na Mercearia Social Valor Humano. Nesta mercearia social, os beneficiários de apoio social desta Junta de Freguesia podem adquirir produtos alimentares, brinquedos e produtos de higiene, pagando com a moeda local.
  • As moedas locais têm, ainda, características que favorecem a auto-suficiência e o auto-aprovisionamento das comunidades locais, evitando a dependência de alimentos importados e a poluição ambiental decorrente do processo de transporte desses bens. Um bom exemplo é a moeda local Tear, criada na Covilhã, pela cooperativa Coolabora, que organiza o mercado de trocas “Troca a Tod@s”, no qual se comercializam produtos locais.
  • Estas moedas correspondem, também, à vontade que os indivíduos têm de se reconectar à comunidade, estabelecendo contactos mais pessoais e, igualmente, de restituir a reciprocidade às relações económicas[RC1] . Um caso ilustrativo deste cenário é o da moeda local Comunitas, criada no Fundão: a Mercearia Comunitas emprega jovens em situação de exclusão social, que asseguram o funcionamento desta mercearia.

Assim, criar uma moeda local pode apresentar, na sua génese, um potencial de inovação social, dado que estimula o comércio e a economia locais e, por via de os comerciantes poderem trocar a moeda entre si, estabelecem (ou reforçam, caso previamente existam) laços de confiança entre eles.

Alguns autores questionam a sustentabilidade destas moedas, observando que o uso de moedas locais, de modo sustentável, é incomum. As moedas locais nem sempre estão integradas em projetos duradouros e amplos que as enquadrem e isso pode representar um óbice à sua própria sustentabilidade. A curta duração destas moedas parece também sugerir que as motivações morais dos indivíduos para aderir às iniciativas de moeda local não são assaz robustas para que perdurem por longos períodos. Alguns autores observam que a criação de moedas locais, em Portugal, tem sido rápida, mas a sua taxa de sobrevivência é frágil. Muitas das experiências com moeda local, no nosso país, são de curta duração, o que indicia que as moedas locais podem representar, de alguma forma, uma moda passageira.

Apesar destas considerações, as virtudes potenciais de uma moeda local parecem sobrepor-se. A utilização de uma moeda local possibilita que a economia se relocalize, que os indivíduos estabeleçam relações de confiança e de parceria entre si, apoio à produção e produtores locais, bem como o consumo de produtos produzidos localmente. Há ganhos ao nível ambiental, pois consumindo o que se produz no local, diminui-se a emissão de gases nocivos para a atmosfera, que decorre dos processos de transporte de bens e mercadorias. Em tempos de pós-pandemia, as moedas locais robustecem a sua função de reforçar laços sociais e de fortalecer a solidariedade dentro de uma comunidade. Parece-nos também plausível asseverar que as moedas locais preconizam o significado substantivo da economia enunciado por Polanyi, na medida em que as suas actividades aproximam as pessoas e tentam encontrar soluções para os problemas das comunidades locais, enquanto sensibilizam os consumidores, encorajando-os a comprar produtos locais. Deste modo, as moedas locais evidenciam não só o seu potencial de inovação, como contribuem para a sustentabilidade económica e ambiental e para que se cumpram os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), mais especificamente, os ODS11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis e ODS12 – Produção e Consumo Sustentáveis.