“Fica esta porta que se abriu e que pode encostar, mas não volta a fechar”*

“Fica esta porta que se abriu e que pode encostar, mas não volta a fechar”*

Passar do discurso à prática nesta área é essencial. Experimentar e aprender também. A Fundação Calouste Gulbenkian abriu uma call para jovens dos 20 aos 28 anos interessados em integrar o Conselho Consultivo Jovem do CAM (Centro de Arte Moderna) para 2023/24. Não é a primeira iniciativa da Fundação neste sentido, já lá iremos, mas esta é também muito interessante, e sobre ela iremos querer saber mais nos próximos tempos. Trata-se aqui de uma clara abertura e integração de um stakeholder que a Fundação elegeu como indispensável: os jovens de hoje.

De onde vem este conceito de stakeholder? O que significa? Como se ajusta às organizações sem fins lucrativos? Como se põe em prática?

Em 1984 R. E. Freeman publicava o famoso livro Strategic management: a stakeholder approach. Fez aqui a proposta de uma abordagem de gestão, que mais tarde evoluiu para aquilo a que chamou "uma teoria dos stakeholders da empresa moderna". Quebrando com a ligação privilegiada, quase sagrada, dos gestores com os acionistas, Freeman propôs que os gestores adotassem uma relação fiduciária com todos os stakeholders, isto é, com todos os grupos que têm um interesse na empresa (ou na organização, para usarmos um termo mais geral). E listou, numa visão estreita, quais eram os stakeholders: clientes, empregados, acionistas, fornecedores, comunidade local, e a gestão como agente destes grupos. Numa visão mais alargada, juntou os concorrentes e o governo. Assim, argumentou, cada um destes grupos tem o direito a ser tratado não como um meio, mas como um fim em si mesmo. E, precisamente por isso, diz, deve participar na determinação da direção futura da empresa na qual tem um interesse. Admitindo que, em certos momentos, um stakeholder sai beneficiado em relação a outro, a tarefa dos gestores é manter o maior equilíbrio possível nas relações com todos. Uma tarefa árdua, mas necessária.

A lista de stakeholders pode ser alargada, ou desmultiplicada, e no contexto das organizações sem fins lucrativos isso é inevitável. Vejamos um exemplo, no que respeita os clientes. Nestas organizações, além dos (clientes) beneficiários, há que incluir os (clientes) financiadores, que podem ser doadores privados (individuais ou organizações de tipo privado com ou sem fins lucrativos) ou as entidades públicas financiadoras, e os (clientes) pagadores, em todas as situações em que quem paga não é quem beneficia (por exemplo, os filhos que pagam o lar dos pais, os pais que pagam as escolas dos filhos).

Foquemo-nos apenas num destes stakeholders de uma organização social – os beneficiários. Como envolvê-los? Há o desafio do envolvimento das crianças, dos idosos, dos deficientes, dos sem-abrigo, etc. Se quisermos ouvir estes públicos temos de adaptar as ferramentas e metodologias da melhor forma possível, antecipando os desafios e as surpresas. Mas coloquemos a questão no seu lugar: não se envolve por envolver e porque fica bem envolver; envolve-se porque ao desenharmos a estratégia para os anos seguintes ou ao desenharmos um novo serviço, por exemplo, não o podemos fazer sentados à secretária, acreditando que o nosso olhar organizacional introspetivo é suficiente para fazermos um bom exercício, que resulte depois numa organização ao serviço de quem quer servir. Mesmo que juntemos vários da organização, de vários departamentos e backgrounds de experiência e formação, esse olhar que é de dentro, não é suficiente. Se somos uma organização para o bem comum e para os outros, para os nossos clientes ou beneficiários, temos de os chamar, de os envolver e de os ouvir. Ouvir mesmo, fazendo as perguntas adequadas, mas também dando-lhes toda a informação necessária, sem condicionar.

"não se envolve por envolver e porque fica bem envolver; envolve-se porque ao desenharmos a estratégia para os anos seguintes ou ao desenharmos um novo serviço, por exemplo, não o podemos fazer sentados à secretária"

Vamos então espreitar o que a Gulbenkian fez e faz para integrar os jovens na definição dos destinos da Fundação. Em 2019, a Gulbenkian lançou a iniciativa Gulbenkian 15\25 com o objetivo de aumentar a participação jovem na sua programação. Tratou-se de um piloto integrado no projeto europeu ADESTE+, cofinanciado pela Europa Criativa, e assente na colaboração de diversos departamentos na Fundação – Música, Jardim, Comunicação, Marketing e CAM (Centro de Arte Moderna). A iniciativa deu então origem a dois projetos, um na área da reflexão estratégica sobre a atuação da Fundação – o Gulbenkian Participa, e outra na colaboração e co-programação cultural – o Gulbenkian 15\25 Imagina.

No Gulbenkian 15\25 Participa, entre Janeiro de 2020 e Fevereiro de 2021, um grupo de jovens foi desafiado a refletir sobre o presente e o que perspetivam para o futuro, com o objetivo de potenciar as decisões tomadas durante o planeamento estratégico da Fundação Calouste Gulbenkian.

No Gulbenkian 15\25 Imagina, a Fundação promoveu o envolvimento de um grupo de jovens com o objetivo de integrar as suas perspetivas na programação, atravessando com estes várias fases: (1) Formação: pensamento-criação e diálogo; (2) Desenho da programação: ideação e investigação; (3) Implementação da programação: realização e produção; (4) Reflexão sobre um processo e produção de um registo/memória.

O Conselho Consultivo Jovem do CAM é o próximo passo neste caminho. Sobre o qual será muito interessante ouvirmos testemunhos no futuro. Para inspirar outros à replicação.

*frase de Andreia Dias, Responsável da Programação para escolas e famílias do Museu Calouste Gulbenkian, em vídeo no website da Fundação.