Imagino que esteja a questionar esta analogia! Mas faça esta reflexão comigo, começando pela definição de uma marca: “Uma marca é um sinal de um benefício dirigido a um mercado.”
Esta definição de marca, inspirada na semiótica e desenvolvida por Lencastre desde 2002, tem a excelência de ser uma definição curta e, ao mesmo tempo, imensa pelas variadas facetas estratégicas que inclui e que devem ser respeitadas na gestão de uma marca.
De forma sumária: a marca é um sinal. Ora, o sinal de uma marca inclui três níveis da identidade: identidade nuclear (o nome), identidade tangível (o desenho, o lettering e o colouring) e identidade alargada (os slogans, as formas de produto e de embalagem, as mascotes...).
A marca é um benefício: o benefício da marca é a sua promessa, o seu valor, o seu fator de diferenciação que deve ser consistentemente entregue através das estratégias de marketing (enunciemos as tradicionais: produto/ serviço, preço, comunicação, distribuição, evidência física, processos e pessoas).
A marca é dirigida a um mercado: o mercado é composto por todos os stakeholders da marca: os clientes, os colaboradores, os parceiros, os fornecedores, os acionistas, a comunidade, … ). Até parece uma definição simples, mas rapidamente compreendemos a sua complexidade. Mas não é objetivo deste artigo descrever cada um destes três pilares… apenas apontar para os desafios de cada um deles quando falamos de marcas de organizações sem fins lucrativos.
Numa palavra: a gestão destas marcas é um enorme PARADOXO.
Porquê? Bem, se nas marcas das outras áreas a busca do fator de diferenciação é uma batalha diária, no sentido de encontrar qual a promessa que a marca deve ter junto dos seus públicos, promessa essa a que estes públicos atribuam valor e estejam dispostos a pagar mais por esse valor diferencial… nas marcas sem fins lucrativos, aparentemente esse benefício é a sua própria essência, a sua razão de existir. Uma promessa de algo que, à partida, qualquer público da marca valorizará, qualquer público estaria disposto a fazer uma qualquer relação de troca. Até parece muito mais simples! O sonho de criar uma marca que à nascença já tem o seu fator diferenciador definido e atestado.
Pois bem… não é exatamente assim que acontece. Porque, não obstante o benefício das marcas associadas a causas sociais seja o valor da sua própria causa, o valor atribuído pelos seus públicos tem de incluir outras vertentes. Muitas outras vertentes. Definitivamente, não chega o valor da causa em si mesma…estas marcas debatem-se com a necessidade de adicionarem ao valor nobre da sua causa, outros valores que o mercado valorize e esteja disposto a “pagar”. Entenda-se: pagar, no sentido de aderir. Porque estas marcas precisam de ser pagas, precisam de voluntários, de doadores, de financiadores, de parceiros, entre muitas outras questões…
É aqui, neste momento, que vale a pena pensarmos o quão exigente é a gestão da valorização da troca das marcas sem fins lucrativos. No paradoxo que enfrentam!
Na verdade, estas marcas apoiam causas críticas para o bem de uma sociedade, sejam causas sociais, ambientais, educacionais, culturais, de saúde, de defesa de direitos, etc. Mas este “benefício” é o benefício da marca para a sociedade; depois, estas marcas, como todas as outras, têm de ter um benefício para os seus públicos, não diretamente impactados pelas suas ações, mas os quais permitem que a marca sobreviva, seja sustentável. Falamos de patrocinadores, de voluntários, de parceiros, etc. E qual o valor desta relação de troca para estes públicos? Qual o valor que irá conseguir que o patrocinador apoie esta causa e não outra iniciativa? Porquê a causa de crianças e não a de séniores? Porquê a causa de violência doméstica e não a de acessibilidade à educação? Porquê uma marca, uma causa e não outra? Para quê a causa C e não a D? Se todas as causas são nobres, autênticas, se todas procuram impacto na sociedade e fazem a diferença na vida das pessoas? Ah… porque umas são percebidas com mais “valor” do que outras. Mas que valor é este?? A exposição mediática? As pessoas que a fundaram? As marcas que se associaram? A sua origem geográfica?...
Pois bem… a gestão de uma marca nesta área é extremamente mais exigente: tem de ter múltiplos benefícios, os quais têm de ser valorizados por cada um dos seus públicos, os quais, se não colaborarem, não vão permitir que a marca seja sustentável, por mais que o público da causa seja profundamente impactado e valorize imensamente o benefício desta marca.
É aqui que deixo a provocação: “Um barbeiro da cidade barbeia todos os homens que não se barbeiam a si próprios e apenas esses homens."
A questão é: quem barbeia o barbeiro?
O mesmo parece passar-se com as marcas sem fins lucrativos.
Uma marca sem fins lucrativos cuida, alimenta, todos os que sofrem com a causa que abraça.
A questão é: quem cuida, quem alimenta, esta marca?