Par: serias?

Par: serias?

Recentemente estive com uma pessoa de referência na área do empreendedorismo e inovação social que, antes de se dedicar ao setor não lucrativo, teve uma vasta experiência profissional no mundo corporativo, onde conseguiu crescer com a força de parcerias consistentes. Confessou que um dos primeiros pensamentos que teve quando se dedicou à área social foi que teria muito mais facilidade em trabalhar em colaboração com outras entidades neste setor. E foi com muita surpresa que verificou que estava complemente enganado. Sentia que além de muito difícil, em muitos casos revela-se quase impossível.

Trabalho desde 2007 em exclusivo na área da inovação social, e tenho, ano após ano, constatado o mesmo. É notória a dificuldade que as pessoas neste setor têm em cocriarem juntas e em colaboração. Com frequência conhecemos pessoas que se dedicam à mesma causa social e a procuram resolver através de formas muito similares, com as mesmas queixas: falta de pessoas que ajudem, de financiamento, de tempo. Enquanto incubadora, o nosso primeiro instinto é colocá-las em contacto, para que se possam conhecer e verificar como se podem ajudar mutuamente e, quem sabe, trabalharem em conjunto, conseguindo mais pessoas e mais força. E qual não é a surpresa quando constatamos, com muita frequência, que esses encontros raramente resultam em trabalho conjunto efetivo. Temos refletido muito sobre a forma de criar mais oportunidades de colaboração e uma das reflexões levou-nos a possíveis causas para esta dificuldade.

  1. Paixão: os empreendedores sociais são verdadeiramente apaixonados pela sua “causa” e “solução”. O trabalho confunde-se com a vida, o orçamento familiar com o profissional, o tempo laboral com o familiar, os amigos com os colegas de trabalho, numa imersão de missão profissional e sentido da vida que faz com que uma possível colaboração seja muito mais do que isso: pode colocar em causa, ou até desvirtuar, algo de muito precioso, que é muito mais do que um desafio profissional.
  2. Dificuldades: os empreendedores sociais enfrentam graves dificuldades financeiras (não é de estranhar que seja sempre a primeira e mais relevante dificuldade apontada), orçamentos muito justos que muitas vezes terminam em balancetes negativos e muitas, muitas, horas de voluntariado. Ora, muitas vezes, neste imenso esforço de conseguir recursos financeiros para o “seu” projeto não sobra energia para pensar em projetos em colaboração que, por envolverem mais do que uma organização, implicariam (ainda) mais esforço.
  3. Confiança inabalável: para enfrentarem todas estas dificuldades é claro, têm um segredo: uma confiança inabalável na sua solução (normalmente criada por si num misto de empreendedor/ fundador). É quase como se não existissem mais problemas sociais e, para aquele problema em particular, aquela é “a solução”! E esta confiança é verdadeiramente um grande poder que permite resistir a tempos de adversidade incríveis e que faz resistir quando todos à volta pensam “como é que ele/ela consegue?”.
  4. É a sua voz. É o seu rosto. É raro o empreendedor social que não dê palestras, talks, participe em encontros, esteja associado a prémios, reconhecimentos, e ganhe concursos. Diria que o rácio em que isto acontece, comparativamente com tantas outras profissões, é claramente superior. Este palco, também fundamental para reforçar e validar a “solução” dos empreendedores, cada vez mais os afasta de se desligarem dessa mesma solução para que possam construir algo de diferente.
  5. Não sou eu, é ele. A somar a tudo isto, quando colocamos (e não são poucas) esta questão às pessoas: “porquê é que não trabalham juntos?”, a resposta está sempre que a causa está do lado de lá. Foi sempre o outro lado que copiou a ideia, que não veio ter comigo a propor nada (se viesse, claro que aceitava). Claro que não vamos co-construir com todos, mas mesmo com aqueles que verdadeiramente admiramos, que sentimos que iríamos construir algo de excecional, há muita dificuldade em dar o primeiro passo.

E é esta entrega, muitas vezes incondicional, esta dedicação extrema a uma causa social, frequentemente sem recursos financeiros, sem as pessoas suficientes, sem os meios certos, que vivem os empreendedores que fazem com que co-criar seja tão difícil, mesmo quando a causa é a mesma e a solução “toca a mesma batida”.

Na IRIS fazemos muita “mea culpa” e também nós, que partilhamos de tantas destas dificuldades, venturas e desventuras tentamos, sempre que nos é possível, chamar os que admiramos para projetos conjuntos e temos esperança de um dia estarem criadas as condições para co-construirmos muito mais, com a certeza da dificuldade que isso representa neste meio tão desafiante.

Às vezes tornamos esta tarefa de criar sinergias com outras organizações demasiado complexa, mas na prática está à distância de um contacto, de uma chamada, de um primeiro passo. Por isso cá vai o desafio de “ano novo”: ligarmos a alguém que admiramos para desafiarmos a uma co-criação para este ano de 2024.

A magia dos duetos é incrível. O Zambujo e o Araújo só conseguem encher consecutivamente os Coliseus quando tocam juntos. E sentem saudades de tocar juntos em Coliseus cheios dias seguidos.

Vamos encher Coliseus?