Será que as circunstâncias e a oportunidade fazem de nós pessoas mais ou menos honestas? Esta foi a pergunta que Dan Ariely tentou responder, colocando alunos universitários em situações em que lhes era fácil fazer batota e obter benefícios pessoais sem serem descobertos (“Previsivelmente Irracional”). Por exemplo, antes de fazerem um teste (com possibilidade de acederem às respostas e receberem uma recompensa financeira) eram convidados a escrever os Dez Mandamentos (mesmo que não os soubessem todos) ou a assinar uma declaração de cumprimento do Código de Ética (mesmo que não existisse). E a resposta foi conclusiva: lembrar padrões de moral no “momento da tentação” pode ser muito eficaz para a diminuição do comportamento desonesto e até para evitá-lo completamente, ou seja, lembrar princípios ou valores éticos (individuais ou coletivos) leva-nos a ter melhores comportamentos.
Se aceitarmos como boa esta experiência poderemos perguntar: Como é que identificamos o(s) momento(s) da tentação numa organização? Melhor ainda: Como podemos ser recordados de valores éticos nos momentos de “tentação”? Acredito que falar regularmente sobre ética possa ser uma das melhores respostas.
E o que é falar sobre ética nas organizações? Falar sobre ética pode ser falar sobre algo positivo, que gostaríamos de ter ou implementar, por exemplo flexibilidade laboral ou trabalho híbrido, ou sobre algo que nos preocupa, por exemplo más práticas que possamos observar. O último estudo internacional trienal, Ethics at Work, revelou que as três más condutas mais observadas são “abuso de autoridade” (36%), “declaração incorreta do número de horas trabalhadas” (31%) e “bullying / assédio” (31%). Em Portugal, de 2021 para 2018, o abuso de autoridade aumentou um pouco (40% vs 38%) mas o assédio aumentou muito (29% vs 14%). Falar sobre o que é, ou não é, abuso de autoridade ou sobre os diferentes tipos de assédio, designadamente moral e sexual, ou mesmo as fronteiras entre abuso de autoridade e assédio moral é uma forma de falar sobre ética. Aplicar regularmente este estudo na organização e refletir conjuntamente sobre os resultados também é falar sobre ética. Mas falar abertamente sobre ética, sem receios, pressupõe uma cultura organizacional ética, a ser promovida e construída todos os dias.
"Falar sobre o que é, ou não é, abuso de autoridade ou sobre os diferentes tipos de assédio, designadamente moral e sexual, ou mesmo as fronteiras entre abuso de autoridade e assédio moral é uma forma de falar sobre ética."
Se aceitarmos como boa a regra dos “20;60;20”* concluiremos, parece-me, da importância de falar de ética regularmente nas organizações, da importância da gestão da ética. Esta regra sugere que 20% das pessoas farão sempre a “coisa certa”, ou seja, atuarão sempre legal e eticamente independentemente das circunstâncias ou ambientes de trabalho; sugere ainda que 20% das pessoas atuarão sempre de forma ilegal ou não ética quando tiverem oportunidade para tal, se as recompensas forem atrativas e se percecionarem uma baixa probabilidade de serem apanhadas; os restantes 60%, são pessoas que sendo genericamente honestas, poderão ter comportamentos ilegais ou não éticos, se as “circunstâncias o exigirem”, ou seja, se existirem pressões das chefias ou dos pares, sistemas de recompensas não adequados, ou a convicção de estarem a agir no melhor interesse da empresa.
Estes 60%, o (grande) grupo de pessoas “ajustáveis” às pressões e ao tipo de ambientes em que trabalham são os potenciais alvos de programas de ética. Estes Programas potenciam a criação de um clima organizacional mais ético e a longo prazo permitirão o surgimento de culturas organizacionais (mais) éticas.
"o (grande) grupo de pessoas “ajustáveis” às pressões e ao tipo de ambientes em que trabalham são os potenciais alvos de programas de ética."
O que é e como “medimos” uma cultura organizacional ética? O que é um Programa de Ética, e quais os seus principais elementos? O código de ética, a comunicação e a formação em ética serão as únicas ferramentas? Como desenhamos programas de ética que sejam efetivamente instrumentos de mudança? Como nos podemos comparar com outras organizações, nacionais e internacionais, nestes temas?
Num tempo de crescente e exigente regulamentação, nacional e internacional, que obriga à existência de código(s) de conduta e/ou de ética e de canais de denúncia de irregularidades - por exemplo sobre assédio, diversidade, proteção de dados pessoais ou corrupção -, como podem os gestores conciliar o cumprimento legal e o reforço da cultura ética? Quais as diferenças (na teoria e na prática) entre um código de ética e um código de conduta? Como criar espaços de diálogo seguros, sem medo de retaliação, que permitam e favoreçam denúncias, ou melhor, que permitam “dar voz à integridade”?
Num tempo em que se afirma amiúde que já não partilhamos os mesmos princípios e valores éticos, quando e como falamos de ética nas organizações para sermos (permanentemente) recordados nos “momentos de tentação”? É possível fazer alguma coisa para reforçar o desenvolvimento moral dos colaboradores?
Estas são algumas das perguntas a que tentaremos dar (algumas) respostas neste “espaço de reflexão periódico sobre ética organizacional”. Muitas outras perguntas poderão ser feitas e por isso este é também um espaço para que o leitor nos interpele.
Para já, e voltando à regra “20,60,20”, sugerimos aproveitar os 20% das pessoas que fazem sempre a “coisa certa” para, dando o exemplo, serem os promotores dos Programas de Ética.
Em conclusão, um dos mitos que rodeiam a ética organizacional é o de que as pessoas são éticas ou não são, e que por isso não há muito que se possa fazer a esse respeito. Não acreditar nesse mito implica reconhecer que se pode controlar (parcialmente) a ocorrência de comportamentos não éticos e, portanto, que se pode prevenir e/ou mudar o comportamento de gestores e colaboradores, que se pode aumentar a sensibilidade ética de (muitas) pessoas.
*Mark S. Schwartz (2013), Developing and sustaining an ethical corporate culture: The core elements, Business Horizons, vol. 56, issue 1, pp 39-50.