Comecemos pelo início.
Qualquer organização tem quatro fontes de valor:
(1) Talento – as pessoas e as suas competências e habilidades que contribuem para o cumprimento da sua missão;
(2) Negócio – a sua atividade e a forma como é capaz de criar valor para os seus principais stakeholders;
(3) Custo do Capital – enquanto preço do financiamento das atividades e do crescimento do negócio;
(4) Societal Goodwill ou Reputação – o que permite que uma determinada organização mantenha uma relação duradoura e transparente com os seus principais stakeholders.
Adicionalmente, se entendermos o impacto como o conjunto das consequências últimas da atividade de uma organização na sociedade ou numa comunidade, de modo claro e intencional, e a forma como se relaciona com os seus stakeholders, percebemos o quão importante esta dimensão é na sustentabilidade das organizações, por ser capaz de afetar todas as suas fontes de valor.
"se entendermos o impacto como o conjunto das consequências últimas da atividade de uma organização na sociedade (...) percebemos o quão importante esta dimensão é (...) por ser capaz de afetar todas as suas fontes de valor."
Hoje em dia, o talento exige mais propósito das organizações, o custo do capital é mais barato para ativos escrutinados de acordo com critérios Sociais, Ambientais e de Governança (ESG), o negócio depende de uma geração que procura produtos e serviços mais sustentáveis ambiental e socialmente e a reputação depende do impacto criado numa determinada comunidade ou da qualidade das relações sociais estabelecidas (positivas ou negativas). O impacto é, portanto, tanto mais claro e intencional quanto o for também a causa organizacional que o norteia. Neste sentido, as organizações com missão social e/ou ambiental são aquelas que estão melhor posicionadas para aproveitar esta oportunidade económica.
Em princípio, uma organização com missão social e/ou ambiental tem uma causa clara (tipicamente um problema importante e negligenciado da sociedade), um modelo de negócios intrinsecamente ligado a essa causa (inovador em muitas dimensões porque permite uma alocação de recursos múltiplos, designadamente de mercado, do setor público ou de doações), capaz de monetizar o impacto positivo gerado, como se pode constatar em exemplos concretos.
Todavia, este tipo de organizações confronta-se com vários desafios. A maioria destes desafios terão que ver com dimensões externas, mas outros têm que ver com dimensões internas e organizativas. É sobre estas segundas que nos devemos focar por serem mais controláveis que as primeiras e por razões de foco e priorização.
Correndo o risco de não ser exaustivo, sublinho os seguintes desafios principais:
. As organizações com missão social e/ou ambiental são complexas na sua ação e correm o risco de “Mission Drift”: ou seja, a sua missão, muitas vezes dual, pode gerar uma incapacidade de foco e desequilíbrio constantes, levando a uma alternância entre desempenho financeiro e criação de impacto num determinado público-alvo. Este desafio pode levar a uma confusão constante sobre a definição das prioridades organizacionais. Este desafio implica, muitas vezes, uma redefinição do modelo de negócios;
. As organizações com missão social e/ou ambiental têm modelos de negócios assentes em financiamento público: decorrente do primeiro desafio apontado, a maioria das organizações opta por modelos de financiamento estáveis mas rígidos, desligados do impacto gerado no problema que lhes deu origem, tornando-se “Organizações Sindicato” o que implica uma capacidade de negociação com o setor público baixa, centralizada e independente da proposta de valor (impacto) individual e idiossincrática;
. As organizações com missão social e/ou ambiental tendem a segmentar a sociedade e a negligenciar oportunidades com base em dogmas políticos, ou seja, aceitam como evidente um conjunto de problemas sociais e/ou ambientais gerados pela forma como a sociedade se organiza, assumindo a responsabilidade exclusiva de os resolver, legitimando ações geradores de problemas sociais e/ou ambientais e desresponsabilizando outros atores da sociedade, potenciais atividades conjuntas ou novas formas de mobilização de recursos. Este comportamento leva a que estas organizações se releguem para um terceiro lugar no ranking dos setores e tem reflexo nas diferentes fontes de valor, em particular no que diz respeito à atração e retenção de talento.
Em suma, a incapacidade de foco, de produtização assente no propósito e de ativação das várias fontes de valor faz com que, muitas vezes, estas organizações não assumam a sua verdadeira vocação e ignorem oportunidades de futuro. Neste quadro, é cada vez mais importante que estas organizações ponham em causa as suas ortodoxias organizacionais e procurem novas soluções para os problemas constantes mas evolutivos com que a sociedade se confronta. O maior dos bloqueios ao cumprimento deste propósito tem que ver com a profissionalização da gestão. A profissionalização da gestão é um investimento essencial para a recuperação identitária das organizações com missão social e/ou ambiental. Apesar de tentador, a reflexão de como o fazer é tema para outro artigo maior e mais profundo do que este.