Frederica, avó e residente numa freguesia com 2 000 habitantes, lutou e construiu uma Associação para prestar apoio social aos idosos da sua freguesia. Arregaçou as mangas e depois de conseguir financiar, licenciar, outra vez financiar e construir, abriu duas respostas sociais. Sem apoio financeiro, viu com maus olhos largar o cariz social da entidade para conseguir pagar os salários aos seus modestos 6 trabalhadores. Esperançosa, aguardou que o Instituto da Segurança Social abrisse candidaturas para acordo de cooperação. Primeiro ano não foi aprovado, a resposta veio “indeferido por esgotamento da dotação orçamental”. Segundo ano, mesma resposta. Um belo dia de chuva, o telefone toca e ouve “recebeu um email?”, respondeu estar a fazer uma viagem. Segundos depois decide sair da autoestrada para ver: “Deferimento da candidatura”. Um suspiro de alívio.
Ivo, empresário de renome e ex-jovem acolhido, assume a presidência da Associação que o acolheu. Num momento menos feliz da sua vida, viu na Entidade que o acolheu a esperança e o carinho que tanto necessitava. Hoje, Presidente, vê aprovada uma lei que o obriga a mudar a estrutura em toda a sua essência: infraestrutura, recursos humanos, tipologia de serviços prestados. Até há 2 anos atrás, o seu “único” problema era criar as condições necessárias para que outras crianças pudessem sentir o que ele próprio sentiu. Hoje sente-se obrigado a cumprir uma lei, que por ser aprovada em Assembleia da República, implicará que as crianças acolhidas deixem de o ser, pelo menos, durante o momento da obra. Pergunta-se a si próprio: quem as protegerá quando todas as entidades fazem esta transição?
Rosa, funcionária pública, mãe de 2 filhas, atende um telefonema às 20h00 de uma trabalhadora da IPSS: “a mãe ainda não o veio buscar à Creche e não atende o telefone”. “Estou a caminho!” diz. Rosa, tesoureira da Direção, vê-se com um problema nas mãos: um imediato (dou o jantar e preparo-o para dormir, mais uma vez), outro ainda mais premente (sabia que ela tinha agora conseguido emprego, o primeiro depois de entrar na casa abrigo, ela precisa desta oportunidade).
Inácio, tem a 4ª classe feita, é membro fundador e Presidente de uma Fundação com 137 trabalhadores, e conseguiu ao longo dos 30 anos na Entidade, criar 7 respostas sociais, prestando serviço a mais de 230 crianças, 90 pessoas com deficiência e 150 idosos. Chegou a aprovação do PRR da tão necessária Estrutura Residencial. Quando a Direção decidiu avançar com esta missiva, pensou para os seus botões “no que me estou a meter”. Hoje é o dia de publicar o concurso público. Surge o problema depois de todos: Inácio tem bilhete de identidade vitalício e isso fá-lo pensar se ainda é útil.
Sendo Coordenadora Geral de uma entidade representativa de IPSS, o meu dia-a-dia resume-se a apresentar soluções para os desafios do voluntariado de quem gere uma destas Instituições. Com responsabilidade civil e criminal, o exercício destes cargos exige conhecimentos e práticas de gestão com elevado grau de especialização. E menos não se pode pedir quando se trata da prestação de serviços aos mais frágeis e que precisam de proteção.
Segundo um Estudo da Universidade Católica do Porto de 2015, “esta muito forte predominância do voluntariado contribui para atrair para estas funções (de órgãos sociais) pessoas motivadas por algum sentido de dedicação à produção de um bem público, como é próprio da missão destas organizações”. Adianta ainda “as ONG em Portugal são lideradas por pessoas em situação de voluntariado, maioritariamente de meia idade, com habilitações literárias superiores e forte predominância do sexo masculino” e “tem lideranças exercidas em regime de voluntariado, dedicadas às suas funções de direção, com algumas dificuldades em fazerem-se substituir, mas que não se eternizam nos lugares, nem são dinásticas”.
Uma realidade pouco pensada, discutida e medida, é o impacto que estas pessoas voluntárias têm na comunidade: o valor que criam, seja via disponibilização de um serviço a uma pessoa excluída do mercado e à criação de emprego e suas externalidades. Um idoso que volta a poder ter cuidados e hábitos de higiene, uma criança num ambiente seguro, a reconstrução de uma família e um fim de vida digno e acompanhado.
Surge e urge a necessidade de reconhecimento e empoderamento destas pessoas que são cidadãos comuns, com responsabilidades pessoais, familiares, profissionais e também voluntárias. Com este mote, foi lançada a petição pública para a criação do Estatuto do Membro Voluntário do Órgão de Administração de IPSS, que vos convido a assinar: https://participacao.parlamento.pt/initiatives/4415