Iguais. Até que a maternidade nos separe.

Iguais. Até que a maternidade nos separe.

Na IRIS, Incubadora de Inovação Social, acompanhamos de perto muitas empreendedoras que iniciam projetos de impacto social, por vezes com ligação a causas pessoais, e em muitos casos com o envolvimento da família no projeto. Testemunhamos a sua imensa motivação, capacidade, conhecimentos, resiliência, perspicácia e talento. Inicialmente, nem compreendia os programas específicos para mulheres no empreendedorismo, pois a realidade indicava-me a imensa capacidade das mulheres para alavancarem as suas iniciativas.

Recentemente colaboramos com um estudo da Nova SBE, da investigadora Teresa Franco sobre Cooperation for a Gender-Equal Social Economy (parabéns, Teresa!), o que me fez pensar de forma mais estruturada sobre o tema, e sobre as necessidades das mulheres nas suas carreiras profissionais, em concreto na área do empreendedorismo social, mas não só.

Numa visão muito empírica (sem dados científicos aferidos, nem estudos feitos sobre a matéria), considero que existe um momento em que tudo se complica no ritmo e evolução da carreira das mulheres – quando surge a maternidade e todos os desafios inerentes. Ser mãe é “o momento” marcante, carregado de todo o amor e romantismo que encontramos no instagram em imagens de recém-nascidos, mas também é o momento em que surgem imensas mudanças estruturais, infelizmente não tão abordadas.

Habitualmente o pensamento que encontramos nas mulheres que se encontram grávidas (ou a pensar seriamente no assunto) é: “como garanto que a vida vai continuar igual”. E é preciso dizer com toda a frontalidade: não vai continuar. É preciso preparar as mulheres para fazerem o “luto” devido da sua vida antes da maternidade e para se prepararem, de uma forma muito realista, para o que aí vem. Serão pessoas diferentes, e a vida será muito diferente. Este ganho imenso (e incomparável) da maternidade, traz custos muito relevantes que importa abordar.

As mudanças são imensas: hormonais, físicas, psicológicas, cognitivas, financeiras, rotinas, tempo, cuidado pessoal, baby blues, sono, carga mental, expectativas pessoais, um aumento exponencial da lista de tarefas, e tantas, tantas outras. Muitas são partilhadas (viva os casais modernos!) mas muitas, tantas, não são. Começando pelas físicas, hormonais, psicológicas, cognitivas, que são assumidas (com mais ou menos apoio, com mais ou menos dificuldade) pelas mulheres. E a vida assim vai acontecendo. E as mulheres interrompem a sua carreira muito mais tempo, ficam de baixa médica com gravidezes de risco, demoram a recuperar e retomar as suas capacidades, e a sua vida profissional e os seus projetos, vão ficando para trás. Enquanto isso, os homens avançam, progridem e ganham mais. E quando o casal tem de escolher (entre quem deve investir mais na carreira) surge a resposta intuitiva e óbvia – em quem ganha mais, pois é a melhor decisão para a família. E lá vão os homens em frente. E as mulheres continuam a ficar para trás, com o melhor carro da família, que traz as cadeirinhas e o compromisso inerente de horas diárias do transporte das crianças, e muito menos tempo para cursos, networkings, eventos corporativos, horas extra, e envolvimento em projetos paralelos, porque têm uma consulta às cinco.

Atualmente, encontramos uma grande presença de mulheres nas faculdades, e um excelente acesso ao mercado de trabalho. Elas têm resultados excecionais, capacidade, motivação e ambição. São suficientemente informadas para escolherem parceiros ou parceiras que partilhem responsabilidades e tarefas diárias e, tendencialmente, há igualdade. Até que a maternidade os separa.

É muito complexo encontrar empreendedoras bem-sucedidas que são mães, ou empreendedores muito bem-sucedidos altamente comprometidos com o seu papel de pais. Quando atingem uma fase de desenvolvimento com um nível de exigência grande, começam a ser evidentes as diferenças. Atualmente frequento uma formação superior na área de negócios e gestão (área onde a presença académica das mulheres é muito expressiva nas licenciaturas e mestrados) e mais de 90% do corpo docente, que tem em média mais de 40 anos, são homens. Onde estão as mulheres? Onde as perdemos?

Citando a Sheryl Sandberg, a decisão mais importante que as mulheres fazem para a sua carreira é a escolha do seu parceiro. Quando li isto pela primeira vez aos 27 anos não compreendi, o que agora compreendo na perfeição.

Na minha infância tive uma experiência radicalmente diferente dos meus amigos. A minha mãe trabalhava num hospital, por turnos, que incluíam noites e fins de semana. E os meus pais funcionavam como uma equipa ágil. O meu pai fazia tudo – roupas, refeições, levar à escola, atividades, espetáculos de ballet, consultas médicas, passeios ao domingo, e boleias de madrugada no regresso da discoteca. Não havia a frase “isso é com a tua mãe”, mas sim “sinto muito orgulho pelo facto da tua mãe nunca ter tido de faltar ao trabalho para cuidar de ti”. Apesar dos seus dois empregos, o meu pai sempre conseguiu a flexibilidade necessária para estar sempre lá (muito obrigada, Pai). Lembro-me do facto disso ser atípico e do olhar de espanto dos meus amigos, que hoje também compreendo na perfeição. Tenho a sorte (sim, é mesmo uma sorte) e imenso privilégio do Pai dos meus filhos priorizar muito a minha vida profissional, e assegurar a nossa vida familiar e a logística dos nossos filhos, compensando as minhas ausências, e ouço muitas vezes a frase “vai e deixa que eu cuido” (muito obrigada, Paulo).

E quando a Teresa Franco (investigadora da Nova SBE) nos fez a pergunta: o que precisam a mulheres? A resposta que me surgiu foi instantânea: precisam que os homens consigam dar o passo em frente. Devemos ter as organizações e empresas a fazer mais perguntas aos homens: como consegue estar sempre aqui a horas e deixar os seus filhos na escola? Como consegue nunca faltar ao trabalho para acompanhar os seus filhos a consultas? Como é que tem crianças pequenas que nunca ficam doentes? Como consegue estar na empresa até às 19h se os seus filhos terminam a escola às 17h? Como vai assumir metade das suas responsabilidades parentais agora que a sua relação terminou? E, a velha questão que continuamente é respondida pelas mulheres: como concilia a vida profissional com a vida pessoal?