A área tecnológica é conhecida, marcadamente, pela forte inovação a que está associada. Basta pensarmos como era a vida há umas décadas, sem telemóveis inteligentes, computadores portáteis, redes sociais, e quando as saídas se marcavam através de telefones fixos e com ponto de encontro no verão na “bola da nívea” na praia. Num ápice, as mudanças tecnológicas aconteceram. Agora conseguimos transferir dinheiro num segundo através do número de telefone, ver filmes sem as multas por falta de devolução de cassetes, e criar playlists partilháveis e acessíveis, em qualquer hora e lugar. E consideramos tudo isto inovações? Não, são dados adquiridos, tornaram-se universais e fazem parte do nosso quotidiano. Incorporamos estas mudanças no dia-a-dia e, num curto espaço de tempo, tornam-se comuns, e aguardamos pelas próximas novidades tecnológicas que irão transformar as nossas vidas.
E na área social, será que acontece o mesmo? Antes da revolução industrial não existiam creches, pois as mulheres tinham o papel assumido de mães e donas de casa a tempo inteiro. Com a revolução industrial tudo mudou, e para ser possível integrar as mulheres no mercado de trabalho existia a necessidade de dar resposta aos filhos e surgiram soluções informais sob a forma da creche. Mais tarde estas respostas informais institucionalizaram-se e hoje olhamos para uma creche não como a grande inovação, tal como era olhada no século XIX, mas como algo perfeitamente comum.
Então, na área social, quando podemos dizer que estamos perante uma inovação? E mais difícil ainda, quando deixamos de considerar que é uma inovação? Muitas pessoas empreendedoras que contactam a IRIS, enquanto incubadora de inovação social, têm precisamente essa dúvida: o meu projeto é uma inovação social?
Lembrando que a inovação social se foca em soluções criativas para resolver problemas sociais e ambientais graves e negligenciados, é fácil perceber que através de uma pesquisa consistente se conseguiria compreender se alguém (no país ou no mundo) já fez ou faz algo idêntico, e aferir o potencial de inovação e novidade de uma solução. Muitas vezes essa pesquisa não é feita de forma consistente e a autoatribuição da “inovação” vem do simples facto do/a empreendedor/a nunca se ter cruzado com solução idêntica.
E depois podemos alargar o espectro: uma solução ou projeto implementado nos EUA pode ser “importado” para outro país e nele ser considerado inovação? Uma solução já testada para jovens pode iniciar a sua implementação com crianças e, para esse público, ser considerado inovação? Um projeto que está disseminado no norte do país pode ser expandido para o sul e nessa área geográfica ser considerado inovação? São as muitas vezes designadas inovações incrementais.
E começando o projeto a sua missiva de resolver um problema social ou ambiental grave de forma inovadora, quando deixa de ser considerado uma inovação? Quando está disseminado por todo o país? Quando se passaram 3, 5, 10 anos? Quando, entretanto, foram criadas outras soluções ainda mais inovadoras? Quando se fecha este ciclo? Esta é uma dúvida muito difícil de esclarecer.
E neste terreno conceptual algo dúbio, o que podem os empreendedores sociais fazer na sua auto classificação enquanto inovadores? E como podem os restantes agentes do ecossistema (beneficiários, investidores, parceiros) compreender se estão perante uma inovação? Aqui ficam algumas sugestões que vêm da experiência da IRIS no acompanhamento de vários projetos de empreendedorismo social com diferentes perfis de inovação:
- Pesquisa consistente e contínua. Mais do que “não conheço” ou “nunca ouvi falar” convém assegurar que é realizada uma pesquisa de mercado muito consistente, tendo como base a pergunta: como é que as pessoas que atualmente têm este problema social no mundo o resolvem? É muito difícil que não existam já soluções muito diversas que visam determinado problema social, especialmente se afetar de forma grave muitas pessoas. E ainda é mais difícil que durante o percurso de um projeto, não vão surgindo outras iniciativas paralelas também elas diferentes, inovadoras (quiçá mais eficazes?). Esta prospeção deve ser contínua.
- Equacionar parcerias. Caso já existam excelentes soluções testadas noutros contextos porque não apostar na “importação” dessas ideias e na aprendizagem acelerada que vem já com o histórico de erros e sucessos de uma iniciativa? Regra geral, esta solução traz mais velocidade e consistência às inovações, em especial pela rede de contactos e aprendizagens que aparecem desde o momento zero, acompanhadas de um reconhecimento e validação difíceis de alcançar, e fundamentais para alavancar um projeto bem-sucedido.
- Contar a história de forma muito clara. Quando começou o projeto? Qual o seu percurso? Se a iniciativa tem já mais de 10 anos estarão os fundadores e equipa confortáveis com o termo “inovação” ou mais alinhados com a narrativa de “quando começamos, há 10 anos, fomos pioneiros”.
Estas são sugestões muito simples, mas com muita frequência ignoradas pelos empreendedores sociais que, com um foco extremo na resolução do problema social, descuram a importância de olhar à volta e compreender e reavaliar o seu posicionamento.
Por último, será a inovação assim tão relevante? Mais do que inventar a roda, importa usá-la para transformar e acelerar o mundo! De que serve o rótulo de “inovação” se ele não é usado para promover o crescimento e melhoria da qualidade de vida de forma consistente e real?
